Direitos e garantias do usuário da Internet

Direitos e garantias do usuário da Internet

Em colunas anteriores, destacamos que os internautas brasileiros, durante décadas, tacharam a Internet como sendo uma terra de ninguém. Nestas oportunidades, também reconhecemos que o uso da expressão, embora equivocado (conforme motivos enunciados aqui), era perfeitamente compreensível, pois o Brasil demorou anos até adotar efetivamente uma postura ativa buscando regulamentar a rede. Finalmente, destacamos que, com o advento do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), o termo terra de ninguém perdeu completamente o sentido de existir.

Na realidade, antes da aprovação do Marco Civil, o ordenamento jurídico brasileiro não salvaguardava direitos e garantias dos usuários da Internet. Todo e qualquer casos concreto que chegasse ao Poder Judiciário, em face do uso da rede, seja por parte dos internautas seja por parte das empresas, fomentava insegurança jurídica.

Até a sobrevinda da legislação, muitas eram as incertezas jurídicas: como adaptar as garantias constitucionais ao mundo virtual? Os comentários em redes sociais poderiam ser censurados caso inobservassem com a política interna das empresas? As páginas da Internet poderiam ser bloqueadas?

Todos esses questionamentos suscitaram acalorados debates na sociedade e no Congresso Nacional durante meses. No entanto, pela análise da estrutura do Marco Civil (sancionado em 23 de abril de 2014), é possível concluir que os direitos e garantias do usuário receberam uma posição de destaque, dispondo-se que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania. Embora toda a legislação esteja embasada na lógica de resguardar o usuário, o Capítulo II, de forma especial, cria cinco âmbitos de proteção, os quais passaremos a analisar a seguir.


Direitos e garantias do usuário da Internet

1) Direito à inviolabilidade (art. 7º, I, II e III): dialoga de forma estreita com o pilar da privacidade. O Marco Civil torna inviolável a intimidade e a vida privada dos usuários, bem como o fluxo e armazenamento de suas comunicações privadas na Internet. Isso significa que, tanto as técnicas de “grampeamento” para quebrar o sigilo do fluxo de comunicações, quanto as solicitação de acesso ao conteúdo de mensagens eletrônicas arquivadas, tornam-se invioláveis. Com exceção da inviolabilidade da intimidade da vida privada – direito fundamental que não pode sofrer qualquer espécie de censura –, as inviolabilidades do fluxo e armazenamento de comunicações privadas na Internet podem, sim, ser quebradas mediante ordem judicial. Dentro dos direitos e garantias, o direito à inviolabilidade busca criar uma limitação aos demais atores sociais, seja dentre os próprios provedores ou dentre os investigadores vinculados ao Poder Executivo ou Legislativo. O Marco Civil ainda prevê, especificamente para o caso da quebra da inviolabilidade do fluxo das comunicações, a necessidade de lei para regulamentar este “grampeamento”. Contudo, tal aspecto não foi objeto do Decreto nº 8.771/2016 e, salvo melhor juízo, possui aplicabilidade mitigada, em razão de ainda não ter sido regulamentado.

2) Direito de não suspensão e manutenção de acesso (art. 7º, IV e V): dialoga de forma especial com o pilar da neutralidade da rede. O Marco Civil prevê a não suspensão da conexão à Internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização, bem como a manutenção da qualidade contratada da conexão. Isso significa que o serviço prestado pelas operadoras de conexão deve se limitar à venda de acesso à Internet, em determinada velocidade (de acesso), que pode variar de plano para plano. Porém, não pode criar limites ou empecilhos de qualquer natureza. Aliás, em nosso sentir, diante da necessidade de manutenção da qualidade contratada e da impossibilidade de suspensão da conexão à Internet – cumulada com o princípio da Neutralidade da Rede, que obriga as operadoras de conexão a tratar os pacotes de dados de forma isonômica –, não resta outra conclusão viável a não ser o da impossibilidade jurídica do modelo de comercialização da Internet fixa com cláusula de limitação de dados.

3) Direito à informação (art. 7º, VIII): engloba informações sobre o gerenciamento de serviços e redes de informação, bem como gerenciamento de dados pessoais. Dentre àquela primeira hipótese, o Marco Civil da Internet prevê que são devidas informações “claras e completas” acerca do conteúdo dos contratos de prestação de serviços, “com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet”, assim como das “práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade”. No âmbito dos dados Pessoais, a legislação preceitua a necessidade de que os contratos com as operadoras contenham informações “claras e completas” sobre as atividades de coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de dados pessoais, que, em qualquer caso, somente poderão ser utilizados para finalidades que: “a) justifiquem sua coleta; b) não sejam vedadas pela legislação; e c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet”. O Direito à Informação será prestado aos usuários no âmbito dos Termos de Uso e Políticas de Privacidade das aplicações de Internet, que é uma das três espécies de ferramentas trabalhadas no Marco Civil.

4) Direito à acessibilidade (art. 7º, XII): Especialmente destinado aos portadores de necessidades especiais, busca a garantir a acessibilidade plena de todos à Internet, atentando às características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário.

5) Direito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (art. 7º, XIII): Ciente da crescente expansão do mercado digital, o Marco Civil disponibiliza, como direito e garantia do usuário, a aplicação de normas para proteção e defesa do consumidor nas transações celebradas pela Internet, evitando, com isso, ao menos em tese, desnecessários embates e desgastes jurisprudenciais sobre o ponto em questão.


Superados os cinco âmbitos de proteção de direitos e garantias do usuário, passamos a analisar as três espécies de ferramentas criadas pelo Marco Civil da Internet para seu exercício.

Ferramentas para o exercício dos direitos e garantias do usuário

1) Consentimento expresso (art. 7, IX e XI): Embora a regra seja o “não fornecimento a terceiros” de dados pessoais, inclusive registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet, o consentimento expresso do usuário (em relação aos termos e políticas do provedor) torna lícitas as práticas que, como regra, são vedados pelo Marco Civil da Internet. Esta ferramenta é a que traz aplicabilidade prática ao Direito à Informação. Isso porque não adianta ao usuário simplesmente consentir de forma inconsciente e desprovida de informação. Para ser lícito o Consentimento Expresso, é imprescindível que tenha sido respeitado, em sua totalidade, o Direito à Informação do usuário. Por esta razão, é obrigatório que os provedores de aplicação passem a adotar Termos de Uso e Políticas de Privacidade para suas plataformas, sites e aplicações de Internet, privilegiando a publicidade e a clareza de toda e qualquer informação sobre o seu funcionamento, bem como as políticas sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, de forma destacada das demais cláusulas contratuais, além de toda e qualquer política de segurança da informação e gerenciamento.

2) Exclusão definitiva (art. 7, X): Foi recebida com bastante euforia pelos usuários de Internet. É importante recordar que, antes do advento do Marco Civil, os provedores de aplicação da Internet possuíam o hábito de efetuar a guarda de todo e qualquer dado sobre seus usuários. Os provedores de redes sociais, por exemplo, guardavam, indiscriminadamente, todas as fotos, áudios, textos e comunicações privadas dos internautas. O motivo desta guarda é óbvio: os provedores de redes sociais comercializam esses dados, utilizando-os como insumo para a venda de outros produtos. Trata-se de uma face do fenômeno do big data, como examinamos em oportunidade anterior. Com o advento do Marco Civil, mormente sua regulamentação, criou-se o “princípio da retenção mínima”, expresso no §2º, do artigo 13, do Decreto 8.771, que obriga os provedores a reterem a menor quantidade de dados, obrigando-os, ainda, a apagá-los tão logo atingida à finalidade da guarda ou expirado o prazo legal (para o caso dos registros). Não bastasse, o Marco Civil da Internet também previu a ferramenta da Exclusão Definitiva. Desta forma, ao término de sua relação com determinado provedor de aplicação, o usuário poderá endereçar um requerimento de exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet. Nesta hipótese, mesmo que o provedor argumente que ainda efetua a guarda dos dados com alguma finalidade, em atenção ao princípio da retenção mínimo, não terá outra opção, a não ser excluir definitivamente os dados do usuário que assim requerer.

3) Nulidades de cláusulas (art. 8º): Assume posição de destaque, com previsão no art. 8º, segundo o qual a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet. Ainda, dispõe (parágrafo único) que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem a orientação anterior, tais como aquelas que impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela Internet (I) ou que não ofereçam como alternativa ao contratante, em contrato de adesão, a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil (II).

Por fim, não seria demais salientar que Capítulo II do Marco Civil representa apenas o epicentro da proteção ao internauta, em face das infinitas possibilidades do “Código” (Code 2.0, Lawrence Lessig). Portanto, para além dos direitos e garantias e ferramentas do usuário discriminados neste texto, todos os demais artigos da legislação devem ser lidos e interpretados de forma (sistemática), com o intuito de privilegiar a identificação de condutas ilícitas da rede, proteger o usuário e proporcionar segurança jurídica para as relações sociais celebradas na Internet.


Bernardo de Azevedo e Souza – Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

Mauricio Brum Esteves – Mestrando em Direito. Advogado.

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